Marcos Rojo
Este é o título de um livro que recomendo muito e que curiosamente retrata uma situação que se passou comigo e com o professor Shimada em 2009.
Sentindo a necessidade de “pormos a conversa” em dia, professor Shimada e eu decidimos que as quartas feiras à tarde seria um dia reservado para o nosso “happy hour”. Passamos a nos reunir na minha casa entre três e seis horas da tarde e dali o professor Shimada seguia para a Ordem Ramakrishna. E assim foi quase o ano todo de 2009.
Nós dois aguardávamos estes encontros com ansiedade, até ligávamos durante a semana para dizermos que tínhamos algo para incluir na pauta. Tínhamos vários assuntos: o professor me passava receitas saudáveis, me dava bons conselhos, preparávamos aulas, falávamos dos outros e de nós mesmos, como bons amigos. O que eu não percebia, é que tudo era uma grande aula. Eram preciosidades que o professor me entregava com muita sutileza e alegria que nem pareciam aulas. Só fui perceber isto, depois que ele faleceu.
Recordando com saudades destes encontros, me lembrei de três grandes lições retiradas destas conversas:
SIMPLICIDADE
Numa das quarta feiras de abril, o professor Shimada me falou sobre o quanto somos ingratos com a vida. Ficamos desejando tantas coisas desnecessárias e deixamos de dar valor para as coisas mais simples. Por exemplo: não nos lembramos de como é bom podermos nos alimentar sozinhos, tomar banho sozinhos ou até mesmo trocar de roupa sozinhos. Neste encontro, ele me contou que tinha acordado na noite anterior e sentiu-se muito feliz porque estava coberto com um lençol de algodão e um cobertor bem quentinho e a cama estava ótima e isto lhe dava tanta felicidade que voltou a dormir mais gostoso ainda. Professor Shimada era muito simples. Tinha uma vida simples, conseguia passar conceitos filosóficos e fisiológicos de forma simples, transformou sua vida em vida simples. Seu apartamento, de um dormitório, tinha apenas o que é necessário para viver bem, sem ostentação, mas o lugar transmitia uma sensação de paz que muitas mansões e castelos, não conseguem transmitir.
HUMILDADE
Assim eram nossos encontros: O professor não sabia vir de “mãos abanando”; às vezes trazia frutas, outras, trazia doces japoneses, mas, na maioria das vezes trazia algo que ele mesmo havia feito. Ele cozinhava muito bem e ainda por cima, gostava de cozinhar. Aliás, ele gostava de tudo o que fazia. Não era daqueles que procurava fazer o que gostava. Era daqueles que procurava gostar do que fazia. Dizia que gostava de ser professor, mas que preferia ser aluno, pois ainda tinha muito a aprender. Sempre me agradecia muito pelo que aprendia comigo, vendo as aulas que eu dava (pura humildade dele). Alertava-me para que eu não me preocupasse em agradar todo mundo, dizendo que este é o primeiro passo para o fracasso. Ele vinha até minha casa, me dava presentes, me dava bons conselhos, agradava meus filhos e na hora de ir embora, ainda falava “obrigado”. Era daquelas pessoas que vivia o que ensinava e sabia o que tinha que melhorar.
ÚLTIMO ENCONTRO
Falávamos de vida e falávamos de morte. Sempre nos lembrávamos da forte emoção que foi participar da cremação do professor Gharote, quando estávamos na Índia. Por sorte, eu tinha o professor Shimada por perto naqueles dias. Nunca tive a impressão que meu amigo Shimada previa que seu dia de “partir” estava próximo, mas, por coincidência, no nosso último encontro de quarta-feira, ele me disse que três pessoas haviam marcado fundo sua vida: a sua mãe; o Swami Vijoyananada (seu Guru) e o professor Gharote. E que estas três pessoas enquanto eram vivas estavam sempre distantes dele, porque ele tinha que ir até estas pessoas para vê-las, mas, depois que morreram, elas ficaram mais próximas, bastava que ele fechasse os olhos para sentir a presença delas.
Na quarta-feira seguinte, não houve encontro, foi seu enterro e hoje, também quarta feira, estou terminando de escrever estas lembranças. Ainda não preciso fechar os olhos para sentir a presença do Shimada, ele não sai da minha cabeça, também não quero que saia, mas fica uma pergunta: teria sido coincidência?
Só Deus sabe, se é que sabe!