Marcos Rojo
O estilo de vida que adotamos nos dias de hoje, prejudica boa parte das nossas funções humanas básicas. Ou seja, hoje, precisamos reaprender a andar, correr, saltar, etc. Como professor de educação física, percebo que numa aula de caminhada, boa parte dos alunos andam para frente com os pés apontando para os lados em condição assimétrica. Isto não aconteceria com os índios, por exemplo, que tem seu caminhar perfeito, suave e eficiente. Nós andamos constantemente calçados e em chãos planos, o que enfraquece nossa estrutura de apoio. Se uma criança “urbana” começa a subir numa árvore, a mãe logo gritará, para que ela desça, tentando protege-la da queda, ou às vezes para não sujar a roupa e estas limitações nos farão falta mais tarde.
Vamos perdendo boa parte das respostas adequadas às nossas funções básicas. Se alguém quiser informações precisas sobre uma dieta adequada, terá que ir a um especialista para que ele nos diga o que comer e o quanto comer. Animais que não vivem em cativeiro, estes que ainda tem a sorte de andar livres pela floresta, não estão obesos, não comem mais do que o necessário. Um leão satisfeito é um animal inofensivo, o problema é saber se já está na hora dele comer de novo. Não vamos encontrar um jacaré no pantanal, que no sábado resolve comer três ou quatro vezes mais, deixando para começar seu regime na próxima segunda feira. Isto é coisa de humanos, nós temos a capacidade de comer mais do que o necessário e pior ainda, nós temos a capacidade de comer o que sabemos que não nos faz bem. Se vamos a uma festa é provável que ultrapassemos nossa capacidade de digestão confortável, só para agradar o dono da festa que insiste que comamos mais um pouco da iguaria que ele preparou com tanto carinho.
É comum eu sair de uma festa arrependido por ter comido muito e aí vem um outro impulso natural para resolver este abuso, que nós também inibimos. Ou seja, quando sentimos vontade de vomitar, fazemos qualquer coisa para evitar este impulso, tomamos sais de frutas e alguns refrigerantes com a intenção de reprimir aquilo que o corpo está pedindo, mesmo sabendo que depois de três minutos de ter vomitado, estaremos perfeitos. Nenês e animais vomitam com tanta facilidade que às vezes só percebemos quando vimos o que devolveram, não fazem nenhum escândalo. Ao contrário, nós adultos fazemos um escândalo, toda a vizinhança fica sabendo que não estávamos bem. Perdemos esta condição natural.
Continuando nesta linha, hoje as gestantes devem fazer o curso de preparação para o parto. Já ouvi dizer que em condições de vida natural, algumas mulheres pariam num dia e no dia seguinte já estavam trabalhando. Junto com o curso, as futuras mamães ainda levam os maridos, com a ilusão de que poderão ajudar. Em geral atrapalhamos. No nascimento da minha última filha, para assistir ao parto, tinha que levar o certificado do curso que eu havia realizado. No corre-corre de sair de casa para a maternidade, é lógico que eu o esqueci, mas mesmo assim não consegui escapar de fazer parte da primeira fila, o médico autorizou.
O pior de tudo isto, é o fato de algumas pessoas com problemas respiratórios, terem que ir a um especialista (fisioterapeuta ou educador físico) para aprenderem a respirar. Quantas vezes, numa aula de yoga, percebo alunos fazendo os exercícios respiratórios num padrão inverso ao natural e ainda teimam, dizendo que sempre respiraram assim. Você já viu uma criança de berço inspirando pelo nariz e expirando pela boca? Mas é comum em ambiente de educação física, você ouvir que esta é a respiração correta para todos os momentos.
Yoga é um processo de reeducação destas funções básicas e de tantas outras, por nos colocar em contato consciente com os impulsos, reflexos e estímulos corretos. Comer conscientemente ajuda alguém a decidir melhor sobre o que comer e o quanto comer. Respirar consciente e relaxadamente, reeduca movimentos que julgávamos estranhos. Com Yoga, aprendemos a obedecer melhor nossas necessidades, em detrimento do apelo social.
De todas estas perdas, as que mais me chamam atenção são: a perda da capacidade de relaxamento e a perda da capacidade de observar passivamente. Estes dois componentes, são básicos para o aspirante à meditação.
Bebês dormem completamente relaxados, quando vamos tirá-los dormindo do berço, estão fantasticamente soltos; mas com relação aos adultos, não podemos garantir que enquanto dormimos, estamos descansando. Quantas vezes rangemos os dentes dormindo a ponto de comprometer nossa arcada dentária, quantas vezes nos debatemos e lutamos dormindo enquanto sonhamos que estamos nos afogando. Tenho um amigo que me contou recentemente, que seu sono anda muito agitado, ele se move tanto, que às vezes, tem que acordar no meio da noite para descansar um pouco e depois voltar para dormir. Temos que treinar o relaxamente, deixando a mente em contato com esta sensação conscientemente. Temos que sentir o peso do corpo, o contato do corpo com o chão, temos que treinar shavasana conscientemente, para reeducar esta condição básica, tão necessária para nossa saúde.
Para terminar, temos que treinar o ato de ficarmos quietos. Quando temos um domingo inteiro para ficar sem fazer nada, muitas vezes vamos para a internet ver se arrumamos alguma encrenca. Hoje, já não nos sentamos mais na varanda para conversar sem pressa com um amigo. A família não se reúne na sala para bater um papo. Ficar sentado no banco do jardim olhando os passarinhos chega perto da “insanidade”. Se você estiver sentado sozinho, quieto numa praça por muito tempo, vão te tachar de deprimido e os mais solidários, vão te perguntar se você está bem, se precisa de ajuda e se você não responder, vão chamar a ambulância, porque seguramente o que você está fazendo é estranho (acho que exagerei). Temos que treinar a observação passiva, é tão legal, ficar observando sem julgar, programar, analisar, procurar ou justificar. Seria tão bom se ao ouvir o barulho da chuva, alguém pudesse curtir esta sinfonia sem imediatamente pensar se deixou a roupa no varal. Será tão mais fácil meditar se vivermos assim.
O Yoga é um sistema de reeducação das nossas funções mais básicas, tudo o que buscamos com sua prática é natural ao ser humano e se você não se encaixa em nenhum destes desajustes citados acima, sei que vai me desculpar por ter lido este artigo, pois não está preocupado em “perder” tempo.
Boa prática!