Marcos Rojo
Você se lembra daquela estória do mestre que enchia a caneca de chá do “aspirante” até transbordar para o pires e depois até cair chá no chão? Pois bem, não sei se o aspirante percebeu que o mestre queria lhe dizer que se você está “cheio”, não há mais nada para ser “preenchido”. Ou melhor, se alguém acha que sabe muito, limita suas possibilidades no campo do saber.
Acredito que quanto mais nos aprofundamos no caminho do yoga, mais nos sentimos iniciantes enquanto que o que acha que já chegou no máximo, se “afundou” no caminho.
Nós não sabemos se estamos no princípio ou no meio de uma jornada, se não soubermos onde é o seu final. Costumo dizer para meus alunos na hora do relaxamento, que quem acha que está no limite máximo desta experiência, limita suas possibilidades para ir além. Por outro lado, aquele que percebe que não consegue relaxar, já está no caminho, pois percebe suas dificuldades.
Alguns alunos, em pouquíssimas aulas, pegam a essência da filosofia e da prática, enquanto outros, ainda que praticando por anos, parece que teimam em pegar o “jeito da coisa”. Não tenho grupos de iniciantes e de adiantados, até porque não sei quem é o adiantado, temo que algum dia, resolvam lançar a idéia de faixas com cores diferentes para identificar o grau de adiantamento do praticante, do tipo, “eu sou faixa preta em yoga”.
Contudo, acho bem útil, uma espécie de aula introdutória, para os que nunca tiveram contato com o sistema, até para entenderem que yoga não é um amontoado de exercícios exóticos. A única diferença nítida que eu consigo fazer é a do que já teve contato com o yoga e a do que nunca ouviu falar no assunto. Ou seja, o iniciante e o iniciado.
Assim que comecei a trabalhar com a minha professora de yoga, dona Ignez Novaes Romeu, sugeri a ela que deixasse os alunos iniciantes comigo e que se dedicasse mais aos “adiantados”. Por sorte ela não topou, hoje vejo que os que iniciam, precisam muita mais da orientação de um professor experiente do que os iniciados, que dependendo do caso, nem precisam de uma aula dirigida.
Um conhecido mantra da cultura indiana, recitado sempre no começo das aulas (Om – Saha Navavatu…), pede que juntos (professor e alunos) possam progredir e fazer bom uso dos ensinamentos. O que nos mostra claramente que na antiga tradição, esta idéia de que um sabe tudo e o outro não sabe nada, não tem espaço. Estamos todos no mesmo barco, somos todos “buscadores”. Se um está no papel de mestre, não significa que no caminho espiritual é mais evoluído do que o que o está ouvindo.
Uma das versões que conta a introdução do Hatha Yoga, diz que Matsyendra que havia aprendido diretamente de Shiva, teve como primeiro discípulo Goraksha, que depois de muitas reviravoltas se tornou o mestre de seu mestre. Ou seja, Gorakasha se tornou o mestre de Matsyendra. Mostrando que se não nos mantivermos atentos, corremos o risco de regredir neste caminho.
Frequentemente, vejo durante a aula, a expressão de alguns alunos no momento da meditação, que me dão a impressão que tem sensações que eu nunca tive e isto me motiva a continuar no meu modesto caminho. Quem é o adiantado e quem é o iniciante?
A palavra iniciar tem como antônimo, terminar. Sejamos portanto eternos iniciantes, porque este caminho não tem fim. O bom iniciante, ao mesmo tempo que é curioso, mantém um pé atrás. É interessado e dedicado, mas não “engole” tudo sem questionar. Estuda, pratica e deve perceber que seu mestre um dia poderá não satisfazer mais seus anseios e sem perder o respeito e a reverência, poderá deixá-lo, mas sem abandonar a jornada. Como dizem os budistas, se você já atravessou o rio, porque continuar carregando o barco montanha acima, deixe o barco para que outro possa utilizá-lo.
Gostaria de terminar com uma mensagem que está no livro de Joseph Campbell (O herói das mil faces), que considero oportuna para aqueles que começam a se interessar por este tipo de abordagem que alguns chamam de “o chamado”.
O chamado à aventura significa que o destino convocou o herói e transferiu o seu centro espiritual de gravidade do âmbito da sociedade para uma região desconhecida. Esta região profética de tesouros e perigos pode ser representada de várias formas: como terra distante, uma floresta, um reino subterrâneo, um local situado sob as ondas do mar ou acima do céu, uma ilha secreta, um importante pico de montanha ou um profundo estado onírico. Mas é sempre um local habitado por seres estranhamente fluidos e polimorfos de tormentos inimagináveis, de feitos sobre-humanos e de prazeres impossíveis.