Marcos Rojo
Este tratado pertence à tradição dos natha yoguis, ou seja, àqueles que reconhecem o Deus Shiva como o Senhor dos yoguins. Sabe-se muito pouco sobre seu autor, conhecido pelo nome de Svatmarama. Foi composto provavelmente no ano de 1687 d.C. no estado indiano de Gujarat e é um dos tratados mais importantes do Hatha Yoga. Literalmente significa “a pequena lâmpada do Hatha Yoga”.
A maior parte das edições apresenta quatro capítulos, os três primeiros abordam as práticas, as técnicas, ou seja, os aspectos mais físicos do Hatha Yoga. O quarto capitulo se refere ao êxito espiritual conhecido com o nome de Raja Yoga.
Logo nos dois primeiros versos do primeiro capitulo, Svatmarama faz uma reverência a Shiva como o criador do Hatha Yoga e destaca a relação de complementaridade entre Hatha e Raja Yoga, sendo o aspecto físico e mental de uma mesma disciplina, considerando que um não é possível sem o outro, fazendo do Hatha Yoga um meio para o Raja.
No terceiro verso é dito que o texto foi escrito para os que estão confusos pela multiplicidade de pontos de vista sobre o yoga. Em outras palavras Svatmarama diz: – “escrevo este livro para aqueles que não percebem o aspecto essencial do hatha yoga”. Fica claro que damos muita importância para alguns aspectos de natureza secundária, deixando de lado a essência. Por quanto tempo vamos ficar presos nos primeiros estágios do yoga? Do verso quatro ao nono, Svatmarama menciona todos os mestres desta tradição, dizendo que “movem-se pelo universo, rompendo a lei da morte pelo poder do Hatha Yoga”.
No décimo verso é dito que o Hatha Yoga é um monastério onde podem refugiar-se aqueles que suportam sofrimentos ilimitados.
O décimo primeiro verso fala da importância de sermos discretos com relação à prática. Diz que esta ciência é eficiente quando é oculta. Tenha cuidado, muitas vezes durante a pratica dos asanas queremos ser visto pelos outros, queremos ser apreciados, aprovados pelos outros. Tenho que provar que eu sou o melhor. Svatmarama adverte neste verso que se você quer ter sucesso no Hatha Vidya você tem que tomar cuidado para não se expor muito. Mantenha sua prática como secreta, porque assim ela será mais forte. Quanto mais você se expõe, mais o poder da prática diminui. Quanto mais você pratica para os outros menos você se dedica a si mesmo. Yoga é para superar o ego e mesmo assim você encontra mestres com um ego enorme neste caminho, é um paradoxo. Isto acontece, porque ao invés de ir para dentro, se descuidarmos, podemos ir para fora. Achamos que somos diferentes, ou o que é pior, achamos que somos melhores. Competimos durante a prática e às vezes conosco mesmo e enaltecemos o nosso ego. Temos que provar não sei o que e não sei para quem. Isto pode acontecer no tapetinho de Yoga e no cotidiano. Quanto mais eu pratico, mais eu reforço meu ego. Por isso, quanto mais você pratica para você, mais eficiente é o processo, quanto mais você pratica para os outros, menos eficiente será.
Do décimo segundo ao décimo quarto versos, Svatmarama descreve o local ideal para a prática de yoga. Deverá ser um belo lugar, quieto, que não crie distrações, mas, deve ficar claro que você também tem que fazer a sua parte. Temos que praticar yoga sem pressa e em profundo estado de atenção. Temos que estar na prática por inteiro, não faça nada com a mente resistente. A decisão da prática é nossa, praticamos porque queremos e não porque alguém nos obrigou. Não demora muito para conhecer as técnicas de yoga. Pomos nossa energia para aprender mais e mais coisas novas, mas, poucos percebem a importância de repetir a mesma coisa todos os dias por longo tempo. Só assim é que vamos poder experienciar alguma coisa neste caminho. No começo nossa energia está em fazer correto e aprender, mas é com a repetição que será feito com menos esforço. Com a repetição, sentimos que a pratica se torna natural. Pomos nossa energia em praticar e não em experienciar. Às vezes, achamos que sem esforço nada vai acontecer. Quando as técnicas começam a ser feitas sem esforço, espontaneamente, a função da mente se torna menos egoísta, começamos a experimentar mais e controlar menos. Seja no asana, pranayama ou meditação ou na vida. Meditação não é apenas por a mente num foco, é tentar descobrir quem é este que quer colocar a mente num foco. Por a mente neste ou naquele objeto é secundário. Não é apenas aprender a técnica, é praticar até ficar natural. Até que fique natural não abriremos a possibilidade de saber o que esta além. Este é o estado de Raja Yoga. É para isto que foi criado o Hatha Yoga.
O verso de número quinze diz que o Yoga pode tornar-se ineficiente por seis motivos: excesso de comida, esforços excessivos, falar muito, austeridade exagerada, excesso de contato público e inconstância da mente.
Temos que considerar o “quanto” comemos, o “que” comemos e “como” comemos.
Moderação entre trabalho e descanso, aprender a fazer as coisas como o menor esforço possível.
Falar excessivamente gasta muita energia – não precisamos falar o tempo todo. Temos que desenvolver a qualidade de escutar. Temos que ter paciência para escutar. Fala desnecessária, incessante gasta muita energia.
Ser excessivamente disciplinado pode ser um problema. É preciso ser espontâneo. Regras que eram boas antigamente, não necessariamente o são hoje. Devemos estar abertos para o presente ao invés de seguir cegamente algumas regras.
A mente pode ficar tão habituada a estar com os outros que mesmo quando estamos sozinhos, me ocupo com outros. Duas coisas importantes – quando estiver com os outros, esteja livre de si mesmo e quando estiver consigo mesmo esteja livre dos outros. Porque pensar nos outros durante a meditação? Sozinho, fique livre dos outros. Quando com os outros, fique livre do você. Sem esta habilidade, ainda que você esteja só nos Himalaias “todas as pessoas” vão com você. O sexto capitulo do Bagavad Gita diz que não há melhor amigo do que si mesmo e que não há pior inimigo do que si mesmo. Nós não precisamos de ninguém para nos destruir. Eu posso me ajudar ou posso me destruir, dependo do que eu faça. É melhor não ficar se lamentando, puxe-se para cima. Não fique esperando que os outros digam o quanto você é maravilhoso para ir para cima. Yoga não e ficar de ponta cabeça é andar com seus próprios pés, é carregar a responsabilidade do seu progresso espiritual nos próprios ombros. É descobrir o que e apropriado para você.
Mente que flutua, inconstante, nunca está no aqui e agora. Nunca estar satisfeito com o que se tem, sempre atento ao que está faltando. Não queira viver o próximo momento.
No décimo sexto verso, Svatmarama destaca seis requisitos para que o praticante tenha êxito no Yoga. São eles:
Entusiasmo – Não fazer as práticas mecanicamente como se fosse uma obrigação. É preciso ter entusiasmo para aprender e para dar continuidade a prática.
Determinação – Devemos estar determinados por nós mesmo e não pelos outros. Praticar yoga deve ser uma decisão de cada um. Todo o processo de maturação requer algum tempo. Não queira milagres em 10 dias neste caminho. E preciso ter paciência para fazer o mesmo todos os dias.
Coragem – É importante ter espírito de aventura, querer experimentar algo incomum. Estar aberto.
Compreensão correta – É a habilidade de perceber a essência de qualquer coisa. Qual é a essência do asana e do pranayama. Quando terminamos uma prática de Yoga devemos estar tranquilos, com a respiração lenta e sem vontade de se mexer. Se ao terminar a prática nos sentimos agitados e com a respiração perturbada, ainda que a técnica tenha sido feita corretamente, algo estava errado com relação à essência.
Confiança nos ensinamentos – Tanto naquele que ensina quanto na tradição. Às vezes não praticamos porque não temos certeza se realmente funciona. É por isso que Svatmarama logo no início do texto descreve toda a linhagem de yogues beneficiados pela prática, para que àqueles que acreditaram e praticaram, tiveram resultados.
Cuidados no contato com o público – Se no verso quinze Svatmarama se refere à moderação no contacto com o púbico, neste verso a indicação é a de escolher as pessoas com quem se relacionar. Algo do tipo “diga-me com quem andas e eu te direi quem és”. Ter relacionamento com pessoas de mesmos interesses e propósitos.
Para terminar este resumo que já está mais longo do que eu previa, gostaria de destacar o verso dezessete. Nele é dito que: -“Sendo o asanas o primeiro componente do Hatha Yoga, serão apresentados em primeiro lugar. Os asanas nos proporcionam quietude, libertam-nos das enfermidades e dão flexibilidade aos nossos membros”.
O ser humano deveria ser capaz de se sentar com a coluna ereta por algumas horas sem desconforto, mas hoje em dia, isto só é possível com treino. Mais do que conseguir é preciso conseguir sem sofrer, mais do que não sofrer é melhor ter prazer nisto. O primeiro passo do praticante de yoga é não sofrer na prática e o segundo é sentir prazer.
Neste verso Svatmaram também comenta que os asanas libertam o praticante das enfermidades, mas a idéia básica é proporcionar a sensação de saúde e vigor. Asanas não foram desenvolvidos com propósitos terapêuticos. Esta aplicação é mais recente. A idéia é sentir-se saudável. Os yogues não eram doentes que criaram um sistema de terapia, embora sua aplicação tem se mostrado muito eficiente. Patanjali não tinha dor nas costas e nem Goraksha era um alérgico que precisava de cuidados especiais. Estes são efeitos colaterais da pratica.
E por falar nisto, boa prática!!!!!!